Um jogão inesquecível pra mim, que acompanhei grudado no rádio, foi Corinthians e Palmeiras em 1971, pelo Campeonato Paulista.
Eu tinha 10 anos e naquele tempo, ainda sem a carteirinha da FPF pra menores, pouco ia aos estádios. Em dia de clássico, o rádio já estava ligado bem antes, num pré-jogo essencial pra preparar a emoção até o começo da partida.

Lembro que naquele ano o Corinthians não ia nada bem no Campeonato. Era um domingo de abril nublado e frio. E enquanto mais de 60 mil torcedores iam ao Morumbi, eu me ajeitava em casa pra acompanhar o jogo com o Fiori Gigliotti, a grande voz do futebol na época (ouça um pouco da narração aqui).
O Palmeiras era muito mais time. Leão, Luís Pereira, Dudu, Ademir da Guia, César… timaço. “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”. Fiori mal acabara de dizer o seu famoso bordão de início de partida e gol de César, aos 25 segundos. Mais um pouco e outro dele, César Maluco. Com apenas 10 minutos, o Palmeiras abria dois a zero. Aquele domingo se mostrava mais nublado do que nunca pra mim.
Afundado no sofá, já antevendo o desastre, dei graças a Deus quando veio o intervalo só com dois na cabeça. Mas, quando menos se espera o futebol apronta. Uma alteração no intervalo mudou o jogo. Samarone – veterano ex-Fluminense – dava lugar a um jovem da base, Adãozinho. Total desconhecido pra mim, o moleque fez a partida da vida dele. E da minha.
Começou o segundo tempo e o Corinthians diminuiu com Mirandinha, aos 5 minutos. Me lembro dos comentaristas dizerem que o time estava melhor naquela parte do jogo, indo pra cima na base da garra, uma das coisas que o torcedor corinthiano sempre prezou.
A partida definitivamente tinha mudado, mas a partir do minuto 24 tivemos os instantes mais insanos que eu vi (e ouvi).
Adãozinho acertou um balaço de fora da área e igualou as coisas. Eu pulando loucamente em casa quase não ouvi o Fiori berrando gol de novo, um minutinho depois. Leivinha, que também entrara no segundo tempo, também de longe, tinha feito um golaço. E o Palmeiras voltava à frente na partida.
Um total banho de água congelada pra cima de mim. Quase joguei o radinho longe. Mas se tivesse feito isso, não ouviria o novo empate. Tião, bom volante mas pouco afeito a fazer gols, foi pras redes quase de bola e tudo um minuto após o gol de Leivinha. O Fiori Gigliotti tava quase enlouquecendo no rádio, o jogo tinha virado uma maluquice. Três gols em três minutos.

Depois dessa catarse o ritmo da partida foi diminuindo, e o empate foi recebendo contornos de resultado final. Porém, aos 43′ Mirandinha recebeu passe na direita, cortou pro meio e chutou. A bola bateu na zaga e voltou pra ele, que mandou um chutaço pras redes. Uma virada daquelas, e eu me virando no sofá, sem acreditar.
A partida já tinha terminado e eu não conseguia desgrudar do rádio. Ouvia os comentários, as declarações dos jogadores. Num êxtase total não queria perder um detalhe, uma declaração. Lembro de ir comprar pão na padaria com o radinho grudado no ouvido.
Algumas horas depois, o videotape na TV só confirmaria tudo aquilo que Fiori Gigliotti, com mais emoção, já tinha contado.