
Antes da barbárie tomar conta das arquibancadas transformando qualquer cidadão comum minimamente trajado com as cores de seu time um alvo em potencial, ir ao estádio pra torcer e curtir uma partida de futebol era uma experiência pra lá de prazeirosa. Uma das coisas que me lembro garoto nas tardes de Pacaembú levado por meu pai eram as bandinhas de música, também conhecidas por charangas, tocando o hino dos times ou marchinhas de carnaval durante toda a partida. Uma alegria inocente, ingênua, que foi deposta pelos bumbos e bombas das atuais Organizadas.
A primeira e mais famosa delas é a Charanga do Jayme, do Flamengo, considerada a primeira torcida organizada do Brasil. Sua estréia foi em 11 de outubro de 1942, num FlaFlu, quando Jayme de Carvalho e mais uma dezena de amigos chegou causando nas arquibancadas com trombone, clarins e outros instrumentos rítmicos, animando o time durante os 90 minutos, numa cena que normalmente era vista fora dos estádios, após as partidas. O jogo terminou 1×1. O Flamengo terminaria campeão naquele ano e a Charanga presença garantida nas arquibancadas.
Mas nos primeiros anos ela não foi muito bem recebida pelos adversários, que se queixavam do barulho, que atrapalhava até a concentração dos atletas. De nada adiantou reclamar, a Charanga não só continuou como seu modelo acabou copiado por muitas torcidas de diferentes lugares do Brasil.

Jayme comandou a Charanga até 1976, quando faleceu. Pouco antes, havia deixado para sua esposa, Dona Laura, o legado de manter a chama acesa. Foi ela que comandou a trupe nos anos 80, a mais vitoriosa na história do clube.
Depois dela, Dona Suely, sua filha, Renath, sua neta, que juntamente com o diretor da Charanga Vinícius Félix, cuidou de organizar e digitalizar todo o acervo histórico, desde a sua fundação. Esses arquivos ajudaram o jornalista Mercio Querido a gravar um documentário sobre a história da torcida, Avante Charanga, recheado de depoimentos e curiosidades.
Um livro escrito por Claudio Cruz, fundador da torcida Raça Rubro-Negra, junto com o jornalista Wilson Aquino, Acima de tudo Rubro-Negro — O álbum de Jayme de Carvalho, foi outra fonte de informação para o filme.

A ferocidade das arquibancadas afastou de vez a Charanga dos estádios no início dos anos 2000. Hoje ela participa de eventos sociais e festividades organizadas pelo Flamengo. A alegria ingênua de uma marchinha tocada por bandas não cabe mais em nossas arenas, onde só há espaço para xingamentos e gritos de guerra.