
Há 44 anos, em 11 de setembro de 1973, um feroz golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet derrubava o governo socialista de Salvador Allende, eleito democraticamente três anos antes. Pinochet era o Comandante em Chefe que por trás tramava toda a operação, com apoio concreto dos Estados Unidos. Traído, Allende resistiu junto com alguns outros que não o abandonaram. A Força Aérea bombardeou o local e o exército invadiu. A história oficial conta que Allende se matou. Mas há muita suspeita de uma execução sumária pelos militares.
O Estádio Nacional, em Santiago, foi convertido em um gigantesco campo de concentração, com mais de 20 mil pessoas detidas por serem contrárias ao golpe. Boa parte delas nunca saiu de lá viva.

Naquele ano de 73 aconteciam as eliminatórias da Copa do Mundo que seria disputada no ano seguinte, na Alemanha Ocidental (o país somente só se reunificcaria em 1990). Derrotado nas eliminatórias sul americanas, o Chile ia disputar a repescagem com a URSS, país com o qual o novo governo militar rompeu imediatamente suas relações diplomáticas.
A primeira partida foi em Moscou, em 26 de setembro, duas semanas após o golpe. Os jogadores chilenos estavam muito receosos do que poderia ocorrer a eles e às suas famílias caso perdessem o jogo. O empate em 0x0 deixou a decisão para Santiago, em novembro. Os soviéticos, porém, se recusaram a disputar a partida no Chile, devido à repressão que acontecia no país. Exigiam disputar em um campo neutro, fora do Chile.

Anos depois, um dos jogadores daquele time soviético, Oleg Blokhin, declarou que a essa decisão havia sido iniciativa dos atletas, receosos por suas vidas ao disputar uma partida em um país que estava caçando socialistas e comunistas. O governo soviético apenas apoiou.
O governo militar recusou qualquer alteração do local do jogo, reafirmando o Estádio Nacional como palco da decisão. Milhares de prisioneiros foram transferidos para outras prisões e campos de concentração para mostrar ao mundo que o Chile não tinha nada a esconder do mundo.
Em 21 de novembro, diante de um público de 18 mil torcedores, a seleção chilena entrou no campo. Como o prometido, seu adversário não compareceu. O árbitro chileno apitou o início da partida e o time chileno trocou passes até que o capitão Valdes recebeu e tocou pra meta vazia, convertendo o que os chilenos chamam de “o gol mais triste do Chile”. Como já se sabia que não haveria a partida, o Santos, que estava excursionando no país, foi contratado para enfrentar a Seleção e oferecer um jogo para aqueles que estavam nas arquibancadas. Mesmo sem Pelé, o time fez 5×0. Pra mim, insuficientes pra cobrir a vergonha de participar daquela farsa.

A FIFA referendou o Chile na Copa, colocando um placar de 2×0. Na Alemanha, os chilenos foram eliminados na primeira fase, com dois empates e uma derrota. A ditadura de Pinochet só terminou em 1990, pressionada pelo opinião pública mundial e derrubada por um plebiscito que o próprio governo convocou.
Hoje, um pequeno pedaço das arquibancadas do Estádio Nacional virou um monumento para que a lembrança daqueles dias terríveis impeça que eles se repitam. A Escotilha 8, a saída 8, foi escolhida por ser a preferida pelos prisioneiros, que alegavam conseguir dali, acenar para seus familiares que se aglomeravam ao redor do estádio na esperança de encontrá-los ainda com vida. O local foi mantido como estava naquela época, separado apenas por um cercado simples e uma faixa com a frase “Um povo sem memória é um povo sem futuro”.

